Érica Matos, psicóloga clínica, analista didata do Instituto de Psicologia Analítica da Bahia, co-cordenadora do Departamento da Diversidade Sexual e de Gênero da Associação Junguiana do Brasil – AJB*.

Curatorial:

Diante da crescente destruição do meio ambiente, decorrente de políticas colonialistas e da desmedida exploração da natureza, ao ponto de espécies estarem sendo extintas e a vida humana seriamente ameaçada, o desenvolvimento socioambiental sustentável representa um desafio inadiável. Para enfrentá-lo é necessário o surgimento de vetores sociopolíticos de transformação. Urge a necessidade da emergência de lideranças políticas capazes de amplificar as advertências da ciência, seja para o combate à miséria e à fome, seja para evitar o agravamento da crise climática que nos assola. Uma mulher, Claudia Sheinbaum, cientista climática, eleita pelo voto popular, é alçada à presidência do México. O ensaio de Érica Matos nos traz reflexões sobre o que pode significar uma liderança feminina comprometida com o cuidado sustentável voltado para o meio ambiente e os seres humanos.
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Enquanto habitantes do planeta Terra, vivemos um momento crucial que nos convoca a agir com urgência e responsabilidade. Os desafios ambientais que estamos enfrentando são sinais de alerta de que precisamos nos atentar.

Sobretudo, nossos ecossistemas estão ameaçados: coabitamos como se não fizéssemos parte deles.
Nesse momento, é condição convocarmos uma reflexão profunda sobre quem está ocupando as lideranças políticas de países e nações?

O que estão fazendo para desenvolver práticas mais sustentáveis e assistenciais às populações que sofrem com a marginalização colonialista em diversos níveis e setores?

Como resposta, o México acaba de eleger Claudia Sheinbaum como presidenta. Ex-prefeita da Cidade do México, conquistou cerca de 60% dos votos na maior eleição da história do país. Marcando, com isso, um momento histórico de uma nação majoritariamente católica e de cultura profundamente patriarcal.

Uma cientista climática com pós-doutorado na Universidade da Califórnia, onde participou de um projeto no Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU, que foi premiado com o Nobel da Paz em 2007.
Considerando que a presidenta eleita irá liderar um país com aproximadamente 130 milhões de habitantes, onde mais de um terço da população vive em condições de extrema pobreza, ela terá, também, a tarefa de combater os altos índices de feminicídios, desigualdade de gênero, racismo, LGBTQfobia e a crescente sofisticação do crime organizado.

A esperança, no entanto, reside no fato de Claudia Sheinbaum ser amplamente reconhecida por sua trajetória de militância política em defesa das comunidades indígenas e afromexicanas.

Em seu plano de governo, destaca-se a promoção dos direitos de existência desses grupos historicamente excluídos, incluindo a proposta de ensino das 68 línguas indígenas faladas no México.

Como versou Caetano Veloso e Elza Soares no álbum Velô (1984):

á, ó
é, ó
, í?

A língua de um povo é muito mais do que um simples meio de comunicação; ela atua como um elemento unificador. Além de ser um fator de pertencimento e de coesão social, a linguagem representa a essência da identidade cultural e histórica de uma comunidade, expressando tradições e valores transmitidos de geração em geração.

Muitos idiomas afro-indígenas, por exemplo, carregam conhecimentos ancestrais sobre a natureza e o ambiente, contrariando, assim, o viés cartesiano hegemônico da ocidentalidade. Dessa forma, ao preservar a língua, estamos preservando a memória coletiva de uma sociedade.

Não obstante, sabemos que no contexto vigente do imperialismo, a perpetuação da oralidade é uma forma de resistência. Com isso, muitas comunidades veem no uso da língua materna um ato de afirmação de sua identidade e de luta contra a assimilação cultural.

Nessas resistências, a defesa de tais dialetos é uma forma de recuperar a dignidade e os direitos culturais da sua nação.

Portanto, enquanto psicoterapeutas, vivemos um momento muito importante ao trabalhar com a psique individual – que é também coletiva. Assim, precisamos refletir sobre o que significa eleger Sheinbaum no México em tempos de crise multifatorial.

Jung (2012; OC vol. 10/2, p.11) nos lembra sobre nosso papel:

“Por razões práticas, a psicoterapia médica deve se ocupar da totalidade da psique. Nesse sentido, ela precisa discutir e considerar todos os fatores que influenciam de maneira decisiva a vida psíquica, sejam de ordem biológica, social ou espiritual. A situação de uma época como a nossa, conturbada em alto grau pelas paixões políticas, abalada pelo caos de revoluções de Estado e pela derrocada dos fundamentos de sua cosmovisão, afeta de tal maneira o processo psíquico do indivíduo que o médico não pode deixar de dedicar uma atenção especial aos efeitos que provoca na psique individual. A avalanche dos acontecimentos de uma época não é perceptível apenas do lado de fora, isto é, no mundo exterior e distante. Ela atinge também a tranquilidade do consultório e a privacidade das consultas médicas. O médico é responsável por seus pacientes e por isso não pode, de maneira alguma, isolar-se na ilha distante e tranquila de seu trabalho científico. Para descer à arena dos acontecimentos do mundo e participar das lutas e opiniões, pois do contrário só conseguirá perceber as inquietações do seu tempo de modo distante e impreciso, tornando-se incapaz de compreender ou mesmo de ouvir o sofrimento de seus pacientes.”

Desse modo, necessitamos agir com responsabilidade e solidariedade, adotando compromissos coletivos em prol de um futuro mais inclusivo para todos. Sendo assim, ao passo que Claudia Sheinbaum segue as políticas progressistas pelas quais é conhecida, há de se esperançar, minimamente, o fortalecer da relação entre o México e o Brasil – especificamente nas áreas como meio ambiente, justiça social e direitos humanos.

Inspirando movimentos feministas de luta contra o racismo e igualdade de gênero, onde questões como o patriarcado, feminicídios, direitos das mulheres, comunidades indígenas, quilombolas e lgbtqiapn+ podem se tornar debates centrais com ações afirmativas e políticas de inclusão mais firmes.

* Érica também é pós-graduada em Direito Homoafetivo e Gênero pela Universidade Santa Cecília e pós-graduanda em Psicologia Descolonial, pelo Instituto Cooperativo Parentes, Ceará.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Obra Completa. Aspectos do drama contemporâneo. V. 10/2. Petrópolis, RJ. Vozes, 2012.

VELOSO, C; SOARES, E. Língua In: Velô. Philips Records, Rio de Janeiro, 1984.