Andréa Vistué, psicóloga clínica e analista em formação pelo IPAC – Instituto de Psicologia Analítica de Campinas.
Editorial:
No período de 11 a 14 de setembro deste ano, Associação Junguiana do Brasil – AJB realizou seu XXVII Congresso Nacional de Psicologia Analítica. Desta vez, a cidade escolhida para a realização do evento foi Salvador, Bahia. Congressos representam uma oportunidade de compartilhamento de experiências e conhecimentos específicos da profissão, e transversais com outros saberes, de modo a amplificar a potência transformadora do trabalho dos participantes. Cumprem, ainda, o inestimável papel de grupalidade e fortalecimento da Instituição organizadora. Andréa Vistué nos apresenta suas reflexões sobre esse recente acontecimento.
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E assim fomos nós a Salvador para, juntos, realizarmos o XXVII Congresso da AJB; uma associação policêntrica (1), espalhada por esse nosso país imenso, tão rico, colorido e infinitamente diverso. Nele, somos muitos, entre analistas já titulados e analistas em formação.
Mas, afinal, o que é essa festa que reuniu tantas pessoas de norte a sul do Brasil? Carregamos em nossas raízes a riqueza dessa experiência. Em Salvador, realizamos a festa de trocas, aprendizados, sorrisos, lágrimas e abraços. Uma grande roda de conversa, na qual cada um ali presente trouxe algo para oferecer, partilhar e trocar com os demais, por meio de falas e escutas atentas, ativas e participativas. Foi uma imensa alegria estarmos juntos num momento de grande partilha.
Participantes dos nove institutos e representantes dos quatorze departamentos (2), juntos, pulsando com força, sustentando esse organismo rico, semeado com cuidado, ajudando no fluxo de irrigação, permitindo a oxigenação de toda a rede. Esse imaginário orgânico traz a imagem do movimento vivo! A encantadora e potente horizontalidade para a qual nos encaminhamos contém, em si, a força criativa e colaborativa.
Salvador, com seu povo majoritariamente preto, cujas raízes rizomáticas atravessam o oceano e mantêm total conexão com a Mãe África! Os baianos são herdeiros de amabilidade, força e generosidade, estampadas em suas expressões artísticas, musicalidade, sorriso e gingado, com os quais tivemos o grande prazer de conviver e sermos contagiados.
O Pelourinho de tantas belezas, de onde se imagina as lonjuras presentificadas pela linha do horizonte; onde a potente estátua de Zumbi dos Palmares nos recebe com a força da resistência desse povo, que, há tantos séculos, foi capturado, atravessou o oceano e conheceu a crueldade da chibata, do tronco, dos açoites e, assim, assentando pedra por pedra, construiu esse chão e essas paredes.
Nesses dias de tanta beleza, a diversidade se fez presente em todos os momentos, desde o evento inaugural até a reunião dos analistas em formação. Dentre muitos, houve o pedido de que se crie um instituto no Norte do país e a formulação de políticas que possibilitem o acesso de minorias à formação.
Foram várias mesas-redondas e comunicações individuais, nas quais temas como inclusão, exclusão e diversidade foram debatidos. Um registro claro da importância da compreensão dos complexos culturais (3) na prática clínica contemporânea.
Foi, porém, um evento ainda majoritariamente branco, com a presença de poucos pretos, dois indígenas e uma descendente de japoneses. Porém, realizando travessias, nosso congresso contou com a participação de um número de pretos nunca antes visto, além de bolsistas, que dialogaram conosco por meio dos trabalhos que nos apresentaram. Desse solo fértil, brotou um novo movimento, a formação de um grupo cujo tema é o racismo, e outras temáticas pertinentes. É preciso trazer à tona essas questões, resgatando, das profundezas, dores ancestrais que precisam ser curadas.
Fica em nós o desejo de que a diversidade se faça mais presente num futuro muito próximo, para que não sejamos sufocados pelo monoteísmo cultural e pela monocromia estéril. Que possamos dialogar em largo espectro, afinal, esse foi o imenso legado de Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica que reconheceu as bases coletivas presentes na individualidade e na construção da individuação.
Que sejamos abençoados por todos os Orixás nessa imensa Travessia, presentes de inúmeras formas e representados nos imensos painéis de Caribé, no Museu Afro-Brasileiro. Esse artista plástico adotou a Bahia como sua terra, assim como tantos europeus que se deixaram apaixonar por esse lugar, que pulsa beleza, arte e amorosidade.
Que tenhamos na memória do coração a força e a coragem de reconhecer o infindável legado que recebemos dessa presença policrômica em nossa alma brasileira. As diferenças nos interessam. Saibamos romper os grilhões que nos atam a um passado ainda tão presente no racismo, esse imenso complexo cultural que precisa ser desatado.
(1) A AJB congrega 9 institutos, a saber: Instituto de Psicologia Analítica da Bahia (IPABAHIA), Instituto C. G. Jung MG (ICGJMG), Instituto Junguiano de Brasília (IJBSB), Instituto Junguiano do Rio de Janeiro (IJRJ), Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP), Instituto de Psicologia Analítica de Campinas (IPACAMP), Instituto Junguiano de Santa Catarina (IJSC), Instituto Junguiano do Paraná (IJPR), Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul (IJRGS).
(2) A AJB contém 14 departamentos, compostos pelos membros da Associação, por livre escolha, em função de afinidades temáticas, para estudo e aprofundamento da psicologia analítica.
(3) Complexos culturais são uma extensão do conceito de complexo individual para a esfera coletiva. Enquanto os complexos individuais se referem a padrões emocionais inconscientes, frequentemente organizados em torno de experiências pessoais, os complexos culturais atuam de forma semelhante, mas no nível de uma cultura, sociedade ou grupo específico (nota da autora).