Sílvio Lopes Peres, psicólogo clínico na cidade de Marília (SP), analista junguiano (IAAP/AJB/IPABAHIA) e integrante da curadoria do Observatório da Psicologia Analítica.

CURATORIAL:

Não é possível acordar, um dia sequer, sem o dever ético de lembrar do genocídio em curso na Palestina, que nos rasga o coração e questiona os rumos de nossa (des)humanidade. Estar no mundo em um tempo de tamanha barbárie clama por nos fazermos presentes frente a esse tão doloroso desafio. Acordar, viver e sorrir sabendo do assassinato diário de milhares de crianças. É nesse caminho que o analista Silvio Lopes Peres, com agudeza e sensibilidade, nos apresenta este ensaio.

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Em dor, poesia e pipas, nos emociona e convoca, trazendo a arte do para sempre lembrado escritor e ativista Refaat Alareer, o seu poema “Se eu tiver que morrer”. Haverá esperança?

Uma política de genocídio na Faixa de Gaza está sendo implantada há mais um ano, conforme os planos do primeiro-ministro israelense. Os palestinos resistem como podem, mas sabem que estão perdendo, porque morrem aos milhares. Mas, resistem!

Segundo Edward Said (1): “A realidade palestina é, foi e, muito provavelmente, será construída a partir de um ato de resistência. O mais provável, porém, é que a resistência inversa que sempre caracterizou o sionismo e Israel perdure: a recusa em admitir e a consequente negação da existência dos árabe-palestinos, que estão ali não como um incômodo inconveniente, mas como uma população com um vínculo indissociável com a terra.”
Refaat Alareer, poeta e professor de literatura inglesa, foi um dos palestinos resistentes por amar seu povo, sua cultura e sua terra. Resistiu expressando suas opiniões e sua criatividade. Ele morreu em dezembro passado, junto com seus dois irmãos e quatro sobrinhos, em um ataque aéreo israelense. Alareer não pode ser esquecido.
Lembrado em vários lugares do mundo, seu poema “Se eu tiver de morrer” (2), chegou até nós!

” ,/ ê / / ó / / / , / ( ) / ç, / , / é / / / / é / ó / / , / ê , / á / / / . / , / ç ç / ç ó!”

O horror o fez recordar do próximo que deveria permanecer vivo para continuar resistindo como ele, para evitar a aniquilação da história de Gaza. Seu poema se esquece de si, para lembrar da história do povo palestino. Sua resistência é pela perenidade do sentimento ou espírito da arte poética.

Sabia que poderia morrer, mas a arte não! Alareer salva a poesia para que resista como os palestinos resistem ao extermínio.

“Se eu tiver de morrer”, está acima da sua cruel morte, porém, apesar da violência com que conviveu junto de seu povo, o verso, provavelmente, se impôs à sua mão.

“Se eu tiver de morrer”, expressa a estranha imagem da “pipa que você fez voar lá no alto e (a criança) pense que por um momento um anjo esteja ali para trazer de volta o amor”. Mesmo que não fosse sua intenção, o espírito da arte, clara e resistentemente, falou por ele mais do que ele mesmo percebeu.

Alareer fez a “pipa voar alto”! Ele viu o “anjo trazendo de volta o amor” – o espírito da arte – apesar do ódio israelense contra ele e os palestinos!

No ódio, na fúria, na raiva impetuosa e na violência esconde a “pipa” que você e eu podemos fazer voar lá no alto. Podemos nos questionar toda vez que a morte invade a nossa “Faixa de Gaza”.

“Se eu tiver de morrer”, é para nos fazer considerar o processo criativo livre que pode tomar-nos ao seu serviço e lembrar-nos da “esperança”.

Tal como as icônicas personagens do resistente Henfil (3), cartunista brasileiro, Graúna avista a esperança. O bode Orelana e o cangaceiro Zeferino questionam: “Onde?” “Está na nossa frente!”, é a resposta. Eles se alegram: “Oba!” “Mas somos nós!”, como que frustrados. Zeferino questiona: “Será que entenderam?”. E, a analfabeta Graúna responde: “Tem um leitor ali que tá com um sorriso inteligente!”

REFERÊNCIAS:

(1) SAID, E. A questão palestina. São Paulo: Ed. Unesp, 2012, p. 9.
(2) https://anovademocracia.com.br/refaat-alareer-e-a-poesia…/
(3) https://www.ebiografia.com/henfil/

Foto: Ibraheem Abu Mustafa – Mulher Palestina (Fatima Bashir) – (REUTERS).