Roque Tadeu Gui, analista pelo Instituto Junguiano de Brasília (IBJSB), filiado à Associação Junguiana do Brasil (AJB) e à International Association for Analytical Psychology (IAAP). Membro da Curadoria do OPA.
“Em breve, daremos adeus à marca Twitter á ”.
A frase é de Elon Reeve Musk (1), mas o grifo é meu. Musk (52 anos) é um empresário e filantropo sul-africano-canadense, naturalizado americano, fundador da SpaceX; CEO da Tesla, Inc.; vice-presidente da OpenAI; fundador da Neuralink; cofundador e presidente da SolarCity e proprietário do Twitter. Não sei se o magnata não comprou algo mais desde esses registros retirados da Wikipedia que aqui transcrevo. O decreto da morte do “todos os pássaros azuis” foi proferido nos últimos dias do mês de julho passado.
O empresário já havia dito, desde que comprou o Twitter, que a empresa iria muito em breve se chamar “X Corp”. Declarou também que a ideia era “transformar o Twitter em um “superaplicativo”, como o chinês WeChat.” Algo como uma versão contemporânea hipertecnológica do costume autoafirmativo, comum entre os meninos, de comparar o tamanho do “piu-piu” (com o perdão do trocadilho). Pensando bem, uma pegada psicanalítica aqui seria oportuna: uma possível compensação puer, exterminando com o “pássaro azul”. É pequeno demais, melhor acabar com ele!
Brincadeira (séria) à parte, muitos lamentaram o fim da logo, e do nome do aplicativo, eu entre eles.
Há muito que não uso o Twitter. Lembro-me que, quando o aplicativo foi lançado em 2006, estava pesquisando com outros amigos a possibilidade do uso do aplicativo para fins literários. De fato, chegamos a apresentar nosso trabalho em um congresso junguiano (2), posteriormente publicado com o sugestivo título “Twitter, o Vaso Alquímico de 140 caracteres. Ensaio de Psicologia Analítica e Literatura” (3). Ali, exploramos o caráter lírico do dispositivo e sua utilidade como “incubadora literária de micropoemas”, uma vez que havia o limite do uso em 140 toques (caracteres). Até mesmo essa limitação foi criativamente transformada em possibilidade poética: criamos o conceito de “twitt áureo”, ou seja, aquele poema que utilizava exatamente os 140 toques. O círculo dentro do quadrado.Tempos líricos e inocentes!
A concepção do Twitter foi inspiradora. Criado em 2006 por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass, nos EUA. Glass pensou em dar ao pássaro o nome de “Larry” em homenagem a Larry Bird, jogador de basquete. As mensagens seriam transmitidas como “tweets”, o pipilar de um pássaro (compatível com o limite do tamanho da mensagem), e que pudessem ser compartilhadas por qualquer pessoa. Na época fizemos algumas amplificações (tão ao gosto dos junguianos!) do pássaro e da cor azul. Todas em sintonia com o caráter lírico que visualizávamos no dispositivo.
Tudo isso, agora, é peça de museu literário! Larry foi atingido de morte pelo menino de estilingue na mão: o puer conhecido como Elon Musk, com seus gestos histriônicos e extraordinário poder econômico.
Os mecanismos hiperbólicos do mercado engoliram o pássaro azul. As justificativas plausíveis são tecnológicas e mercadológicas. As reais são a de que tudo deve ser maior, hipermoderno, hipercapitalista, hiperativo, hiperplásico, hiperfágico, hipertrófico, hiperpotente (opa, outra compensação para o complexo de “piu-piu” pequeno?). A abundância agressiva (“cada vez mais e maior”) que conduz “à banalização, à desvalorização e ao desvanecimento do sentido e dos motivos”, característica de um mundo que se pretende hipermoderno (4).
A maquinaria titânica aniquila “todos os pássaros azuis” da imaginação e da poesia.
Pensando bem, o “X”, de fato (e da questão), é uma justa representação de certa nulidade existencial, travestida de negócio bem sucedido, mas desprovida de alma. O fim de uma existência menos rude e mais poética. Sobrevivem alguns micropoemas.
“Ar frio. A chuva escorre como areia sobre um delicado papel de arroz. O corpo se recolhe debaixo das cobertas acolchoadas da cama solitária.” (um tweet áureo)
“Consumido pelos assuntos mundanos, esqueci-me de fazer um poema. Os dias continuam insípidos e a alma entristecida. Será a poesia tão vital?” (outro)
“O cão aconchegou-se aos pés do dono, não muito perto, nem muito longe. Será que ele conhece o jeito certo de amar? Mas, o que sabem os cães?” (e mais outro).
(1) https://www.tecmundo.com.br/…/266726-fim-twitter-rede…
(2) VII Congreso Latino-Americano de Psicologia Junguiana. Twitter, o Vaso Alquímico de 140 Toques. 2015.
(3) Gui; Alcantara; Bragarnich. Twitter, o Vaso Alquímico de 140 Caracteres: Ensaio de Psicologia Analítica e Literatura. Cadernos Junguianos, v. 13, p. 74-92, 2017.
(4) Gui, R. T. Psiquê na Pólis: Individuação e Desenvolvimento Político da Personalidade. Dissertação de Mestrado no Programa de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB). Brasília: UnB, 2015, p. 50.
Crédito da Imagem: The Verge