Roque Tadeu Gui, analista do Instituto Junguiano de Brasília (IJBSB), filiado à Associação Junguiana do Brasil (AJB) e à International Association for Analytical Psychology (IAAP); integra a equipe de curadores do OPA.

Moro em Brasília, mas não fui à Esplanada assistir às comemorações do 7 de setembro. Achei melhor ficar confortavelmente em casa apreciando as cenas do espetáculo transmitido pela TV. Temia o calor escaldante, típico desta época do ano que prenuncia as chuvas da primavera.

Enganei-me! O dia ficou ensolarado, sem as pancadas ocasionais de chuva, também usuais no mês de setembro, mas um vento fresco e suave recompensou aqueles que não cederam à tentação de ficar no conforto preguiçoso de suas casas.

A comemoração foi vibrante por um lado, serena por outro, se lembrarmos das apreensões sobre a possibilidade da reincidência de manifestações golpistas, nos moldes de 08 de janeiro. Os fantasmas não compareceram e os comentaristas tiveram pouco assunto para análise.

O “Zé Gotinha” ganhou destaque merecido, dado o valor simbólico que o simpático personagem carrega consigo. A retomada da normalidade vacinal no país, após a escalada negacionista ocorrida ao longo de quatro anos de descalabro governamental, com quedas consecutivas no índice de imunização, sobretudo infantil. Zé Gotinha traz consigo a marca da civilidade, do cuidado e da responsabilidade pela saúde dos cidadãos.

O evento, cuidadosamente planejado, expressou alguns outros valores simbólicos: a presença, lado a lado, de personagens dos três poderes da República, capitaneada pela autoridade do Presidente da República. Mais do que um sinal de harmonia entre os poderes, um símbolo da integridade democrática do País, após ataques sucessivos desferidos pelo governante antecessor.

Observei atentamente a imagem do Presidente, ladeado, como sempre, por sua esposa, inspiradora (1) e fiel escudeira. O semblante do velho me chamou a atenção. Lembrei-me dos tempos de seu ativismo sindical no ABC Paulista: o homem jovem, o sindicalista barbudo, corajoso, reivindicativo e carismático. Agora, um senhor, ainda forte, mas que já apresenta o peso dos anos. Um tanto irritadiço, como é próprio dos mais velhos. Um (2) cumprindo seu dever de governante e zeloso com a expressão dos símbolos requeridos pelo momento. O Zé Gotinha e as mãos dadas com os comandantes das Forças Armadas foram alguns desses símbolos.

Em sua postura, era visível também um certo desconforto, decorrente talvez das dores produzidas pela patologia do quadril – (3) e suas mazelas! – e suportadas por estoica atitude requerida de um líder, amenizado apenas por breve momento em que sentou, sendo prontamente seguido pelos acompanhantes. Nenhum sinal de fragilidade pode ser ostensivo! Nada que possa sugerir a ideia de um senex alquebrado e incapaz de levar adiante sua heroica missão. A liturgia do poder!

Uma expressão ligeiramente entristecida, talvez ainda produto das dores ou, quem sabe, pelas recentes medidas igualmente dolorosas, não no corpo, mas na alma, de ter destituído no dia anterior uma ministra de notável experiência em sua área de atuação e escolhida desde a primeira hora. Lembrou-me a figura de um Abrahão atormentado que sacrifica seu filho ao Deus da Política para assegurar a governabilidade! Sacrifícios que somente um senex pode suportar, ainda que com grande sofrimento.

A expressão do presidente somente se ameniza quando aprecia os malabarismos da esquadrilha da fumaça! Nesse momento, o olhar do velho abre-se numa expressão pueril da criança que se maravilha com a beleza acrobática dos ases do céu. O velho esboça um sorriso, mas a expressão boquiaberta é que nos convence de que a alma do menino ali está! A imagem do voo talvez tenha evocado o anjo (4) que ainda habita o senex.

Finalizada a cerimônia, volto para meu modorrento feriado. Ocupo-me com alguma coisa, quando recebo uma curta postagem do Instagram, feita pela mulher do Presidente, comunicóloga que é dos feitos do companheiro.

O vídeo mostra o velho, ainda vestido com a faixa presidencial, pegando jabuticabas no “quintal” do Alvorada. A faixa da senectude esquecida no peito, diante do maravilhamento de um pé de jabuticaba! Parece que o menino não deseja ir embora, ainda que uma nova viagem ao exterior deva ocorrer nas próximas horas, convocando o mandatário para uma nova missão.

Enquanto mastiga o fruto, o velho diz algo como: “… é uma maravilha… plantei há muitos anos atrás, e agora volto para colher”. E pontifica com a batida, mas sábia, fala  popular: “Quem planta, colhe!”

Fico pensando no notável encontro do velho e do menino, em torno de um pé de jabuticaba.

REFERÊNCIAS:

(1) Imagem personificada das qualidades femininas da psique masculina; uma de suas manifestações é a de “musa inspiradora” que estimula a emergência de gestos criativos no sujeito. Para uma compreensão mais completa do conceito, ver Jung, C. G. (1971/1991), Tipos Psicológicos, Ed. Vozes, OC VI, § 842.
(2) “Expressão latina introduzida por Jung para indicar o conjunto dos seguintes traços psicológicos: equilíbrio, sabedoria, generosidade, previsão.” Num sentido negativo, geralmente associado ao Deus Saturno, “indica um conjunto de características negativas como a hiperconservação, o autoritarismo e a falta de imaginação.” (Pieri, P. F., 2002, Dicionário Junguiano, Ed. Vozes, p. 446).
(3)  Personificação mitológica do “velho”, conforme nota 2.
(4) “Expressão latina introduzida por Jung para delinear a psicologia que se caracteriza [em um sentido negativo] pela dificuldade de separar-se dos lugares e figuras de origem… mas também [num sentido positivo] por uma vivacidade e uma impaciência na atividade imaginativa… e verdadeira disponibilidade para o início e, portanto, a possibilidade de renovação” (colchetes são meus). Para aprofundar a compreensão do conceito, sugerimos Pieri, P. F, 2002, Dicionário Junguiano, Ed. Vozes, p. 415.

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