Nicholas Emanuel, psicólogo junguiano dedicado a pesquisas em política, antropologia e fenômenos culturais. Atualmente integra o Departamento de Complexos Culturais, Política e Individuação da AJB.

O que posso escrever sobre Gaza e a Palestina? O que posso fazer com minhas palavras? Escrever sobre escombros, bombardeios e crianças. Ah, essas crianças. Aquelas crianças que vivem em uma prisão a céu aberto. Sim, aquelas crianças cujo corpos estão destinados a explodirem em bombardeios israelenses; ah, claro: aquelas crianças cujos corpos já não mais importam para o mundo ocidental. O que escrever sobre crianças sem pais (e país)? O que escrever sobre crianças que lutam com paus e pedras contra o gigante Merkava (tanque israelense)? Ah, claro, as crianças baleadas, desmembradas, assustadas. As crianças. A tragédia das crianças. Essa é uma guerra sobre crianças.

Crianças foram mortas de ambos os lados. E não há estômago que suporte esse horror. Mas, ao que me cabe, volto-me aos meninos e meninas palestinos: estão em um labirinto e o Minotauro da vez é um míssil de alta precisão. Não há asas para voar. Como Icarus, não há um Daedalus para inventar asas e não há sol para tocar. Mas, há o inconsciente, há a borda do ser: é possível imaginar outros mundos, outras formas de salvar essas crianças. Há um chamado para os “virtuosos”: defendam a paz e os povos oprimidos do mundo. Tratemos de Afrodite e Ares: amamos a guerra, guerreamos pelo amor. Os gritos de Gaza devem gerar revolta, devem ecoar entre as almas deste mundo estagnado que acredita no fim da história. É preciso se rebelar no amor, pelo amor e com amor: amor ao planeta, amor às crianças, amor aos povos do mundo.

É preciso mobilizar, ouvir e entender que há o extermínio de um povo e nós estamos em silêncio. É preciso errar, arriscar, falhar; é preciso gritar, se indignar. Não estamos longe desta guerra. Todos os dias no Brasil temos crianças baleadas pela guerra às drogas, crianças baleadas em escolas, crianças com fome e sem teto. Temos uma guerra silenciosa em grande escala neste país. Há uma guerra lá, mas há uma guerra ao seu lado também. E se isso não lhe mobiliza, eu não sei o que lhe dizer.

Como disse James Hillman (2015), somos animais políticos. Temos o direito de nos indignar, nos revoltar. A raiva é um sentimento humano, assim como o amor, a esperança e a coragem. Somos seres dotados de habilidades que estão além da guerra para auxiliar os povos deste mundo.

As crianças em Gaza estão aterrorizadas e choram pelo mundo que não lhes foi possível: não foi possível crescer, ampliar os horizontes de sua individualidade ou tornar-se sujeito de seus sonhos. Os mísseis destroem sonhos no século 21. E, mesmo aqui, eu poderia tentar discorrer sobre complexos culturais ou os conceitos de bem e mal no ocidente, mas neste momento não posso: crianças estão em desespero e o que precisamos é gritar pelo fim desta guerra.

Lembro-vos que em 1941, Jung palestrou contra o Estado Totalitário enquanto os nazistas, como ele afirma, planejavam se livrar dele (JUNG, 1981). Os tanques nazistas estavam a menos de 100 km da fronteira suíça e lá estava Jung, corajosamente, defendendo o indivíduo e a liberdade de sermos seres além do totalitarismo.

Além de Jung, lembremos de Nise da Silveira que lutou pela dignidade dos loucos neste país. Nise com palavras e punhos, engrandeceu a liberdade pelo afeto. E não só dos grandes precisamos lembrar: cada qual já perdeu alguém para os diferentes conflitos deste mundo.

Assim, em meio aos escombros do mundo, vos escrevo para que busquem dentro de si alguma medida de mudar as coisas. O que compartilho aqui são os versos de um menino palestino (Mc Abdul) que rimava em frente aos escombros de Gaza em 2021:

“Estamos rezando por nossas almas/Enquanto estão caçando nossos lares/Não é fácil expressar isso em palavras/Olhando para minha irmãzinha/Ela merece algo assim?/Crescendo em um mundo/Onde ela não é tratada da mesma forma/Negado o direito de viver livre/Por causa de onde ela veio/Eles querem ocupar esta terra/Não vou deixá-los ocupar minha mente/Permaneço ocupado deste lado/Enquanto escrevo sobre minha vida/Porque minha única missão/É fazer as pessoas ouvirem” – MC Abdul – Palestine

Pelo fim da guerra, pela liberdade da Palestina e pela paz dos povos de Jerusalém.

Referências:

JUNG, Carl Gustav. A prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1981.
JAMES HILLMAN in “On Changing the Object of Our Desire”. YouTube, 2015
UNICEF: “Crianças Vítimas em Gaza: “uma mancha crescente na nossa consciência coletiva”, 2023

Crédito da Imagem: Reprodução/NBC News.