Acaci de Alcantara, psicóloga clínica, analista didata do Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP), pertencente à Associação Junguiana do Brasil (AJB), filiada a International Association for Analytical Psychology, psicoterapeuta, supervisora, articulista, orientadora e coordenadora de seminários nos Cursos de Formação de Analistas. Fundadora e ex-editora assistente dos Cadernos Junguianos e ex-diretora do IJUSP e da AJB.

O planeta está vivendo transformações, provocadas pela atuação humana, de uma qualidade nunca antes experimentada. O aquecimento global, e suas consequências, são pauta dominante nos meios de comunicação. Imagens de tragédias, tais como, incêndios, enchentes, terremotos e imigrantes que saem dos seus países de origem por não terem condições de sobrevivência, povoam os noticiários.

James Hillman (1926-2011), psicólogo analítico estadunidense, em seu livro Cidade e Alma (1993), mostra como uma cidade mal planejada, onde os espaços não levam em conta as pessoas que ali moram, trabalham ou que de alguma forma precisam circular, é prejudicial para a alma e pode trazer um adoecimento psíquico de maneira silenciosa, sem que as pessoas tenham consciência disso.

Levando em conta esse tipo de pensamento, quais são os impactos e com qual intensidade os fenômenos que atingem a nossa casa, o planeta Terra, também atingem a psique individual e coletiva?

Estudiosos da Ecopsicologia vêm se debruçando sobre as relações dos humanos com o planeta, observando o quanto essa relação é viva, quais são seus efeitos sobre a Terra e as consequências para a natureza e para os indivíduos. É uma relação dialética: o caos climático adoece o corpo e a psique dos indivíduos que, por sua vez, adoecem o planeta. A conscientização de sermos uma unidade humano-natureza-planeta talvez se apresente como uma possível saída, ou seja, conscientização de estarmos na alma e sermos parte integrante da Anima Mundi.

O último boletim da IAAP(*)  trouxe um importante texto, escrito pelo analista junguiano e ecopsicólogo Jeffrey T. Kiehl(**) que vale a pena ser lido.  O autor aborda o momento em que vivemos, as perturbações climáticas que atingem o planeta e porque resistimos a tomar medidas efetivas frente a questões que ameaçam a vida. Ele parte do papel exercido pelos complexos inconscientes, e das defesas no nível pessoal e cultural,  para compreender com profundidade tal situação.

Seu olhar aponta para o comportamento das pessoas em relação à COVID-19 e ao caos climático, como sintoma de dissociação psíquica coletiva.

Kiehl traz a experiência de trabalho feito com um grupo no qual  o autor informa os participantes sobre o caos climático e descreve os efeitos que essas informações causam:  sentimentos de tristeza, desesperança, raiva, negação, culpa, entorpecimento, medo e perda.

Examina também os complexos culturais envolvidos na falta de ação frente aos problemas climáticos. Conclui que a fé cega na crença do crescimento econômico é o complexo cultural mais difundido. De maneira clara, Kiehl explica como os complexos atuam na psique individual e coletiva, retoma a ideia dos mecanismos de defesa e o seu funcionamento e como eles podem atuar articulados aos complexos culturais, levando a uma dissociação coletiva que dificulta as mudanças necessárias para o enfrentamento do caos climático.

Por fim, o autor acredita na importância do compartilhar os sentimentos decorrentes das experiências de perdas ambientais, como uma ajuda para enfrentar as dores e a impotência que as pessoas sentem em face dos eventos climáticos extremos.

A Psicologia Analítica oferece uma maneira de explorar a nossa dissociação coletiva. Cabe aos analistas perceber cada vez mais que as imagens do mundo e suas complexidades que adentram os consultórios também fazem parte do adoecer psíquico de pacientes e terapeutas.

O texto do Dr. Kiehl traz observações preciosas que merecem ser cuidadosamente consideradas.

(*) International Association for Analytical Psychology

(**) Jeffrey Kiehl, Phd. trabalhou como cientista climático durante 40 anos. É analista do Institute C.G. do Colorado e da Sociedade Inter-regional de analistas Junguianos; ministra aulas na Pacifica Graduate Institute.

Fonte:

http://www.tandfonline.com/…/10.1080/00332925.2023.2210999
Hillman, James. Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel (1993).

Aos interessados no tema, a Associação Junguiana do Brasil – AJB abriga o Departamento de Psicologia Analítica e Ecopsicologia.

Créditos da Imagem: SavetheChildren.ORG – ‘Today’s World’ um desenho por Anum.