Mara Zoch Lisboa, analista em formação no Instituto Junguiano do Rio Grande do Sul (IJRS), da Associação Junguiana do Brasil (AJB/IAAP)

Nas últimas semanas muitas chegaram ao consultório. Alguns meses atrás essa fala geraria uma única percepção: “isso foi uma crítica a uma mulher ‘padrãozinho'”. Mas, refiro-me às percepções das pessoas que assistiram (e das que não assistiram) ao filme Barbie. O filme tem mobilizado as conversas desde as redes sociais até os consultórios de psicologia, mudando o sentido que a imagem da Barbie tem agora em 2023.

Um outro sentido sem dúvida, algo ainda em construção, que claramente se distancia da imagem anterior: padrão de beleza, futilidade e sorrisos emoldurados pelo sempre presente cor de rosa.

De maneira geral, o filme foi muito bem recebido pelos espectadores; porém, ao contar a história, cada um traz um enredo, uma Barbie. Há quem tenha dito que se trata de uma história sobre cada boneca ser como suas donas acreditavam que ela deveria ser. Ou ainda, de cada Barbie ser a expressão das emoções de suas donas. Sim, isso está no filme.

Outra pessoa disse que chorou muito ao assistir ao filme, foi surpreendida, pois estava pronta para criticar e foi capturada pela emoção da trajetória libertadora da Barbie. Sim, isso está no filme.

Um terceiro se emocionou com o final conciliador onde Kens e Barbies, Allan e os “fora da linha” podem conviver bem. Um mundo possível para além dos padrões estabelecidos.

Tudo está no filme! São muitas Barbies e muitos olhares. A diversidade está no olhar dos espectadores também. Este é um dos pontos altos do filme: deixar espaço para que o espectador imagine e, portanto, participe. Penetre nas brechas, construa pontes com suas próprias experiências, acione uma outra história para além daquela que está na tela, uma história que tem outra origem.

No filme é a Barbie Estereotipada, a protagonista nessa coletividade, que irá conduzir a grande virada em Barbielândia, o mundo mágico das Barbies. Ela não é uma militante feminista e intelectualizada lutando pelos seus direitos. Não, a Barbie Estereotipada foi ameaçada por pensamentos negativos e pela celulite; essas foram as razões que a levaram a sua jornada individuante. Foi para defender seu mundo cor de rosa que ela partiu, em um carro igualmente cor de rosa e sem motor, rumo ao Mundo Real. Porque só podemos começar o caminho de onde estamos. Não há um ponto de partida coletivo para a jornada pessoal. Para algumas será a celulite, para outras a perda de uma pessoa querida, mas para quase todas é a vontade de sair da caixa.

Para encontrar um caminho fora de um estereótipo é preciso decidir partir do mundo cor de rosa (ou cinza) rumo ao Mundo. Não é somente o mundo cor de rosa que é distante do mundo real, todos os mundos monocromáticos são. Assim como os mundos nos quais são as mulheres ou os homens que comandam. Esses mundos que precisam de um comandante. Onde as fronteiras são tão definidoras como são as algemas de uma caixa de boneca. Os mundos do “Ou Isso ou Aquilo”.

Vivemos essa polaridade diariamente e de maneira mais intensa nos últimos anos: “Qual” o seu lado? “Quem” você apoia? Em “quem” você se apoia? “Qual” a sua caixa?

Jung dizia que deveríamos sempre estar implicados com nosso tempo, com nosso momento no tempo. Com a literatura deste tempo, com os acontecimentos deste tempo, com as doenças deste tempo, com os sinais deste tempo, a política deste tempo. Deste tempo em que estamos vivos. De muitas formas, ele dizia que tínhamos que ser agentes neste tempo.

O olhar psicológico precisa estar circulando no mundo para reconhecer as diversidades de cores e caminhos possíveis para sair das caixas, para subverter os estereótipos, para se despedir dos comandantes.

Não vivemos na Barbielândia, vivemos no Brasil. Um país de muitas contradições,  onde muitos, assim como a Barbie antes de Barbie, usam o sorriso e a “ingenuidade” para manter uma ideia de que suas vidas são cor de rosa a despeito de todas as outras cores e  dos dissabores alheios.

A Barbie mudou, estaremos prontos para, assim como ela, começar a viagem rumo ao “Mundo Real”?

Essas foram algumas das reflexões que o filme me provocou. Porém, é preciso levar em conta que o “Mundo Real” tem sempre uma caixa na manga. Na entrada do cinema havia uma grande caixa de bonecas (a mesma em que a Barbie se negou a ficar) para que as pessoas entrassem e fossem fotografadas.

Que imagem perturbadora!

Crédito da Imagem: Warner Bros.